sábado, 16 de janeiro de 2010

Idoso vive abandonado no restaurante fechado pela ASAE

00h37m

ANA PEIXOTO FERNANDES

Joaquim Carvalho foi durante três décadas o proprietário do restaurante mais conhecido de Viana do Castelo. Há seis meses, a ASAE fechou-lhe a casa por alegadamente não ter condições. O desgosto levou o empresário para o desleixo, abandono e miséria.

Foi dos anos 60 aos 80 o salão de festas mais badalado da região de Viana do Castelo e o restaurante predilecto de várias gerações pela sua localização à beira mar, em Afife. Fechado há pouco mais de seis meses pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), o estabelecimento conhece agora a decadência. O proprietário, Joaquim Carvalho, vive lá dentro, abandonado a si próprio e em condições degradantes.

"Não quero sair daqui de maneira nenhuma. Daqui só para o cemitério", diz Joaquim Carvalho, que aos 71 anos atravessa o pior momento da sua já longa vida. Sozinho no seu restaurante "Praia", vive no limiar da miséria humana.

Sem água, aproveita a da chuva em três bacias colocadas nas traseiras do estabelecimento, onde tem um pequena casa, prestes a ficar sem luz eléctrica. As últimas facturas tem sido pagas graças à caridade alheia. Sem tomar banho há mais de dois meses e deprimido até à medula, começou recentemente a receber apoio e refeições do Centro Social e Paroquial de Afife, depois de a instituição ter sido alertada por um vizinho.

Quase não fala por desgosto

"Quando cheguei aqui, isto estava num estado deplorável. As louças todas acumuladas, não se podia entrar na cozinha com o cheiro. Na altura ainda havia água e limpamos. Agora todas as semanas vimos fazer limpeza, levamos roupa para lavar e todos os dias lhe trazemos comida. Para lavar a louça usamos água da chuva. Esta é uma situação de abandono, porque ele tem cinco filhos", conta Luísa Rocha, auxiliar no centro que presta apoio a Joaquim Carvalho, curiosamente seu antigo patrão. "O encerramento foi um desgosto para toda a gente porque isto era muito conhecido, mesmo por espanhóis".

Manuel Laranjo, comerciante de Afife da geração de Joaquim, foi quem procurou ajuda para o proprietário do estabelecimento. "Não é nenhum bicho que está aqui, é um ser humano. Tem de haver alguém que se interesse", diz revoltado. Em jovem, Laranjo chegou a ser porteiro no "bar da praia". "Era a única casa aqui na região. Chegamos a meter 700 pessoas. Vinha gente de todo o lado para a festa", recorda, lembrando que na altura cobrava de entrada "50 escudos aos homens e 20 às mulheres, uma fábrica de fazer notas".

Hoje, Joaquim quase não fala. Quando tenta as palavras, embarga-se-lhe a voz. "Uma casa destas...não tenho explicação", repete, enquanto mostra o estabelecimento, que se apresenta tal e qual estava no dia em que a ASAE lhe fechou a porta. Centenas de pratos com restos de comida amontoam-se na bancada da cozinha. O cheiro é nauseabundo. Há pouco tempo, foram retiradas dali arcas frigorificas cheias de peixe e carne podre. O proprietário vestido com um robe, percorre os espaços, arrastando os pés metidos nuns chinelos de quarto. "Valha-me Deus", chora.